A nova lei de investigação de paternidade
Foi publicada e entrou em vigor, neste 19 de Abril de 2021, a Lei Federal 14.138/21, a qual, acrescendo dispositivo à Lei 8.560/92, permite, em processos de investigação de paternidade, o pedido de exames de DNA em parentes consanguíneos do suposto pai, quando este seja falecido ou esteja desaparecido.
Segundo consta de reportagem das Agências de notícias da Câmara e do Senado, a norma é oriunda de Projeto de Lei de 2012, da ex-senadora Marisa Serrano (MS), e foi aprovado na Câmara dos Deputados, com parecer favorável da deputada Margarete Coelho (PP-PI).
O texto da Lei, a qual acresce um parágrafo segundo ao artigo 2º-A da Lei 8.560/92, é bem claro:
Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”
A nova Lei, seguindo a inteligência do verbete Sumular nº 301 do Superior Tribunal de Justiça, posteriormente inserido na própria Lei 8.560/92, considera que a recusa injustificada dos parentes do suposto pai em se submeterem ao exame induz presunção relativa (juris tantum) de paternidade.
A possibilidade de convocação de outros parentes para o exame de DNA já vinha sendo admitida em acórdãos oriundos de Tribunais Regionais, como por exemplo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE POST MORTEM. EXUMAÇÃO DE CADÁVER. MEDIDA EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO EXAME DE DNA COM O MATERIAL GENÉTICO DE OUTROS PARENTES CONSANGUINEOS DO SUPOSTO PAI FALECIDO. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 70082332776, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em: 27-11-2019)
Ademais, a presunção relativa de paternidade, oriunda da recusa injustificada de parentes do falecido pai, também já fora objeto de análise, por exemplo, pelo Tribunal do Distrito Federal:
(…) 3 – O exame de DNA, apesar de desejável, não é indispensável, notadamente caso a parte Ré se recuse a se submeter à perícia. Nessa hipótese excepcional, o Juiz não se torna refém do agente recalcitrante. Ao revés, permite-se que o Magistrado, mesmo sem a prova genética, forme a sua convicção com esteio na presunção de paternidade gerada pela negativa da parte Ré, apreciada em conjunto com os elementos de informação reunidos no caderno processual (Lei nº 8.560/1992, art. 2º-A, caput e parágrafo único, c/c arts. 231 e 232 do Código Civil). Inteligência da Súmula nº 301 do Superior Tribunal de Justiça.
4 – Conforme entendimento da Corte Cidadã, a presunção de paternidade também opera contra Réus parentes do de cujus Investigado que, no âmbito de investigação post mortem, oponham resistência imotivada à feitura do exame sobre o material genético.
5 – No caso, tendo em vista a convergência da prova testemunhal e documental com a presunção legal favorável ao pleito da parte Autora, bem como considerando a postura processual contraditória da parte Ré e a fragilidade dos argumentos defensivos arquitetados, tem-se que o reconhecimento da paternidade é medida de justiça. Preliminar rejeitada. Apelação Cível desprovida.
(Acórdão 1255735, 00570689420048070001, Relator: ANGELO PASSARELI, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 17/6/2020, publicado no DJE: 24/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
A bem da verdade, o que chamou a atenção do autor deste texto, ao menos em uma primeira mirada, foi o trecho da Lei em que se estabelece que, correrá por conta do autor da ação, o exame em parentes consanguíneos do pai falecido ou desaparecido (pensamos também como exemplos nos casos de ausência, morte presumida e até do pai estar em lugar ermo ou no estrangeiro, v.g.).
A regra destacada é, com o devido respeito, por demais simplória, quando comparada com os vários dispositivos do Código de Processo Civil (doravante “CPC”) que dispõem sobre o tema, podendo levar a interpretações errôneas.
Ora, em uma leitura rápida, poder-se-ia pensar que se trata de determinação taxativa e inafastável. Todavia, é sabido que há regras mais amplas sobre o custeio da produção de prova pericial.
Apenas para ficar nas considerações mais óbvias, e que são o mote deste artigo, podemos lembrar, em primeiro lugar, que a parte pode ser beneficiária da gratuidade de Justiça, situação que acarretará a aplicação do artigo 95, §§ 3º, 4º e 5º do CPC.
Bom frisar também que, por força do artigo 2º, §4º, da própria Lei 8.560/92, a ação pode ser promovida pelo Ministério Público, e, assim, o pagamento das perícias seguirá a dinâmica do art. 91 do CPC.
Há mais: não é difícil imaginar, em caso de dúvida, que a Perícia seja requerida por ambas as partes, ou determinada ex officio, hipóteses que reclamarão a aplicação do artigo 95, in fine do CPC.
Por fim, sempre útil lembrar: mesmo que o Autor, ou seu representante legal, pessoa física, sem direito à gratuidade, tenha sido obrigado a pagar pelas despesas da perícia, ao final, sendo vencedor na ação, terá direito de ser ressarcido, conforme consta do artigo 82, §2º do mesmo CPC. Sendo este também o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (ementa ainda de acordo com a numeração do CPC anterior):
APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. CUSTEIO COM REALIZAÇÃO DE EXAME GENÉTICO. DESPESA A SER REALIZADA PELA PARTE VENCIDA. ARTIGO 20/CPC/1973. SENTENÇA MANTIDA.
1. De acordo com o artigo 20 do Código de Processo Civil/1973 cabe a parte vencida o pagamento das despesas que a parte vencedora antecipadamente custeou. Nesse passo, tendo a parte requerente despendido o valor do exame genético para a verificação da paternidade e sendo esta confirmada, cabe ao requerido o ressarcimento de tal despesa.
2. Recurso desprovido. (Acórdão 947748, 20140910236495APC, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 8/6/2016, publicado no DJE: 17/6/2016. Pág.: 128/133)
Enfim, na opinião do autor, a presença deste elemento no texto da Lei é desnecessária, devendo-se considerar, inclusive, sua remoção, em uma revisão próxima, algo que não fará diferença na leitura e compreensão de um eventual novo dispositivo, senão vejamos neste exemplo hipotético: Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”